03/11/2016
Sono, sonhos e memória
O sono em si é um mistério desde a antiguidade, pensava-se inicialmente que o sono era um fenômeno passivo.
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São poucos os relatos de sonhos no meu consultório, até por acreditar no sonho como um fenômeno biológico natural do sono, não costumo estimular os pacientes a relatarem o conteúdo de seus sonhos. Com a evolução das pesquisas nessa área nos distanciamos muito da visão "Freudiana" dos sonhos como um instrumento do inconsciente para a expressão de desejos reprimidos.

O sono em si é um mistério desde a antiguidade, pensava-se inicialmente que o sono era um fenômeno passivo. Somente na década de 50, mais precisamente em 1953, foi pela primeira vez descrito o sono com movimentos rápidos dos olhos, ou sono REM (rapid eye moviment) ou “sono dos sonhos”. Esta é a fase do sono durante a qual sonhamos, e ela se repete ciclicamente a cada 90 minutos por cerca de 4 a 5 vezes por noite.

A partir dessa descrição surge uma nova era na pesquisa sobre os sonhos. Hoje sabemos que os sonhos são entendidos como parte de um ciclo de sono determinado biologicamente. Na década de 70 surgem os primeiros estudos demonstrando que a privação do sono “dos sonhos” está associada a prejuízo no aprendizado e a ciência começou a reconhecer o papel decisivo do sono, mais precisamente do sono REM na consolidação das memórias.

Dados recentes sugerem que os sonhos podem desempenhar um papel essencial na consolidação das memórias, levando aquelas recentemente adquiridas a migrar do hipocampo (região cerebral relacionada a memória de curto prazo) para o neocórtex.

De maneira mais simples, é como se durante os sonhos houvesse um reprocessamento (revisão) das informações dos dias anteriores (“restos do dia”) e durante este processo descartaríamos informações desnecessárias ou erradas e arquivaríamos de forma organizada todas as outras.  Dessa forma, não seria tão difícil compreender os relatos de “insights” durante o sono; ou seja, indivíduos que acharam a solução para algum problema durante o sono sem que isso seja uma "inspiração divina". 

Como no ser humano o principal instrumento para avaliação dos ambientes é a visão, nossos sonhos na grande maioria são principalmente de conteúdo visual exuberante.

Durante o sono REM existe um relaxamento muscular intenso de forma que por mais que nossos sonhos sejam intensos e movimentados como nos pesadelos, permanecemos imóveis. Este é um mecanismo adaptativo que nos protege de injúria contra nós mesmos e contra outras pessoas.

Os sonhos em si são um fenômeno biológico normal que ocorre de maneira cíclica durante o sono REM; ou seja, não prejudicam ou interferem negativamente no sono, muito pelo contrário.  

Algumas pessoas relatam que não se lembram dos seus sonhos. Normalmente o último episódio de sono REM (sono dos sonhos) ocorre nas primeiras horas da manhã próximo ao horário de despertar. Quando acordamos durante ou poucos minutos após esta fase do sono somos capazes de rememorar mesmo por poucos minutos algumas lembranças do sonho; por vezes se acordamos muito tempo após esta fase do sono relatamos que não temos lembrança de termos sonhado.

Quando sonhamos reproduzimos não só informações visuais como também, a depender do conteúdo do sonho; reproduzimos sentimentos de tristeza, alegria, raiva, os quais serão intensamente rememorados se acordarmos durante ou logo após esta fase do sono.

Qualquer patologia que altere estruturas cerebrais relacionadas ao sono REM pode se manifestar com alteração no padrão dos sonhos, um exemplo é o distúrbio comportamental do sono REM,  geralmente ocorre em indivíduos mais idosos, às vezes com doença de parkinson ou com doença de Alzheimer que passam a ter sonhos muito vívidos e geralmente violentos e passam a agir durante o sono; ou seja, perdem aquele mecanismo de proteção que mantem a musculatura relaxada e são capazes de se movimentar durante o sonho.

Alguns medicamentos, principalmente os antidepressivos, podem também alterar o padrão dos sonhos por interferirem em neurotransmissores essenciais na gênese do sono REM (sono dos sonhos).

Como você pode ver essa área do conhecimento ainda é recente, 60 anos de pesquisa médica é muito pouco tempo e muito ainda precisamos estudar para entender exatamente o "porque" de sonhar.

 

Dra. Lucia Sukys Claudino, Ph.D.
Neurologista
Especialista em medicina do sono

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